Dois sucos e a conta …
por Mauro Ventura
… com Hugo Leal
Em 2001, a Porto da Pedra voltou à elite das escolas de samba com um enredo sobre os dez anos do Estatuto da Criança e do Adolescente. O samba que ajudou a levar a escola ao Grupo Especial era assinado por Hugo Leal e Flávio Lauria. ?Um sonho possível? falava de um mundo melhor para as crianças. O advogado Leal tem outros sonhos possíveis. O principal deles é a redução dos acidentes de trânsito.
Aos 46 anos, ex-presidente do Detran-RJ e ex-secretário de Administração do governo Garotinho, o hoje deputado federal pelo PSC foi o relator da Lei 11.705, a Lei Seca, que no sábado completa um ano. ?O mais importante que ela trouxe foi a mudança de comportamento: entender que não posso sobrepor meu direito individual de beber sobre o direito coletivo de dirigir com segurança?, diz ele, presidente da subcomissão criada para rever o Código de Trânsito Brasileiro. Tem quem resista a pensar assim, como o deputado estadual Fernando Carli Filho, que dirigia bêbado, a 190km/h, sem carteira?havia perdido a sua, devido às multas ?, e causou acidente em que morreram dois jovens. A mãe de um deles disse: ?Eu tinha um filho e me entregaram apenas a cabeça de volta.? ?Foi um crime?, diz Leal, que só bebe socialmente e é admirador de vinho.
REVISTA O GLOBO: Como está a Lei Seca?
HUGO LEAL: No início, conceitos como ?não pode beber? e ?vai prender? se espalharam. Não houve aumento da fiscalização, as pessoas é que ficaram prudentes, esperando para ver o que ia acontecer.Com isso, em agosto, setembro e outubro o número de atendimentos chegou a cair 35% em alguns estados. Mas começaram a pensar: ?Ninguém me parou, sempre bebi, nunca me aconteceu nada.? E aumentou de novo em novembro e dezembro. Só que em 19 de março o Rio, que não estava entrando nessa luta, começou a Operação Lei Seca. Desde então, o número de acidentes no Rio caiu 23,6%. É um estado que reverbera para o resto do país. A fiscalização em outros estados está sendo retomada e ampliada. A Polícia Rodoviária Federal vai receber 1.500 etilômetros.
A Lei Seca não é muito rigorosa? O fato de o índice ser zero não faz com que muitos resistam a cumpri-la?
O balizador para mim foi a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet). Num evento, a pergunta era: ?Qual o padrão mínimo que não causaria mudança de comportamento?? O médico Fábio Racy e o professor da UFRJ José Mauro Braz disseram que não existia padrão seguro.
Antes, no Brasil, o índice era de 0,6% grama de álcool por litro de sangue (equivalente a dois copos de cerveja), mas ninguém respeitava. Então temos que trabalhar infelizmente com esse índice de alcoolemia zero. É para fazer um processo de transição. O Japão ficou 15 anos com ele. Agora que o conceito de que não pode dirigir embriagado já está no tecido social, aumentou para 0,5%. É bom lembrar que poucos usavam cinto de segurança, e acabaram se conscientizando.
E o caso do deputado Fernando Carli Filho?
HUGO LEAL: Dor não se compara, mas há um aparato que se coloca para investigar um acidente aéreo, e a cada dia morrem em média cem pessoas em acidentes de trânsito no país. É um avião a cada dois dias.
Quantos Carlis têm no país que já mataram e a investigação é tratada de forma secundária? Além da polícia, os acidentes têm que ser investigados também por entidades independentes, para acompanhar a punição efetiva dos causadores. Se
Carli tivesse usado uma machadinha, seria um choque, mas como foi acidente o impacto é menor. Mas não é acidente, é crime. Não foi sem querer, ele estava a 190km/h.
Além da Lei Seca, o que mais deve ser feito?
A partir de 2014, será obrigatório air bag e freio ABS em todos os carros. Fiz ainda um projeto de lei (aprovado pela Câmara) que estabelece penas alternativas para crimes como homicídio ou lesão corporal culposos (não intencional): prestação de serviços em trabalhos de resgate, clínicas de reabilitação, hospitais. O responsável pela ação criminosa no trânsito poderá acompanhar de perto as gravíssimas consequências que seus atos causaram ou poderiam ter causado.