*Por Hugo Leal
Embora o modelo de concessão de rodovias estaduais e federais tenha sido adotado no Brasil há mais de
20 anos, atéhoje não existe uma avaliação custo-benefício que garanta sua efetividade. O alto índice
de inexecução de contratos em estradas administradas pela iniciativa privada – algumas chegaram a
100% no último ano – é prova inconteste de que o sistema apresenta falhas graves, que precisam ser
revistas.
Segundo a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias, existem no país 279 pontos de
cobrança de pedágio em rodovias federais administradas pela iniciativa privada. Essas praças
controlam cerca de 50% das estradas com pista dupla, embora, signifiquem apenas 15% da malha federal
pavimentada.
A má qualidade de boa parte destas rodovias contrasta com o elevado valor do pedágio cobrado pelas
empresas. Se compararmos a evolução das tarifas no grupo de rodovias da primeira etapa de concessão,
realizada em 1995/1996 (Ponte, Concer, Nova Dutra, CRT e Concepa), com a trajetória da inflação até
2011,identifica-seum crescimento médio de 121% acima do IPCA. Um investimento certamente
rentável.
Somem-se a isso as irregularidades nos contratos de concessão, que vêm sendo trazidos à tona pelo
Tribunal de Contas da União. Um destes casos emblemáticos é o da Concer, empresa que administra a
BR-040, no trecho que liga a cidade do Rio de Janeiro a Juiz de Fora (MG).A concessionária é alvo de
uma representação do Ministério Público de Petrópolis, que questiona os reajustes da tarifa básica
diante do alto índice de inexecução contratual: 98,53% no último ano.Trocando em miúdos, a Concer só
fez 1% do que estava determinado no contrato de concessão, nos últimos 12 meses.
A principal obra– a nova pista de subida da Serra de Petrópolis – está praticamente parada, sem
previsão de conclusão. Especialistas acreditam que para retomá-la seriam necessários R$ 460 milhões,
recurso que a Concer não dispõe nem tampouco seu controlador, o Grupo Triunfo Participações e
Investimentos, que entrou recentemente com um pedido de recuperação judicial. Vale lembrar que pelo
contrato de concessão, esta obra deveria ter sidoiniciadaem 2001 e encerrada em 2006. Um atraso de
12 anos, sem previsão de término.
Se não bastasse a falta de investimentos, a concessionária da BR -040 reduziu drasticamente os
recursos destinados à manutenção econservação da rodovia, passando de R$ 28 milhões para R$ 5,5
milhões anuais. Houve também uma queda brusca no número de funcionários, que passou de 260, no ano
passado, para os atuais 151, conforme revela a imprensa regional.
Tanto retrocesso não poderia gerar outro resultado: estrada com buracos, falta de acostamento,
iluminação e segurança precárias e obras paradas. Um grave problema que afeta, principalmente, os
moradores das cidades serranas, mas também a atividade turística e comercial do Estado do Rio,
considerando a vocação econômica daquela região.
Por fim, auditoria do TCU realizada em 2016 e ratificada em agosto deste ano concluiu
haversobreavaliação do valor do reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, com sobrepreço de R$
400 milhões no orçamento. Diante do não cumprimento de medidas corretivas para sanar as
irregularidades, o órgão recomendou a caducidade do contrato de concessão. Cabe agora à população
exigir que o Governo reassuma a concessão, retome de imediato as obras da nova subida da Serra e
reveja o valor da tarifa básica de pedágio, no valor de R$ 12,40, que tanto onera o usuário.
O emblemático caso da Concer, na Região Serrana do Rio de Janeiro, expõe, de forma gritante,
adificuldade da ANTT (agência reguladora)defiscalizar as concessionárias e garantir à sociedade –
que paga um custo alto por um serviço não prestado -um programa de concessão de rodovias mais
transparente e eficaz, que promova, verdadeiramente, o crescimento econômico do país.
*Hugo Leal é deputado federal (PSB-RJ), coordenador da bancada do Rio na Câmara e autor da Lei
Seca.
(Artigo publicado no Jornal O Globo, em 09 de outubro de 2017)