Hoje à tarde, 6 de março, fiz um pronunciamento na tribuna da Câmara sobre a ameaça de quebra do pacto federativo, caso o veto à Leis dos Royalties seja derrubado. A seguir a transcrição do discurso.
“Falta entendimento, sobra insensatez. O Congresso Nacional passou os últimos dois anos discutindo a divisão dos royalties do petróleo e deixou de lado a lição de casa. Por falta de acordo ou puro desinteresse, deputados e senadores não votaram a redistribuição de outras receitas previstas em lei, muito mais significativas que as da exploração do pré-sal ou do pós-sal.
Não foi por falta de aviso. Em 2010, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucionais os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados e do Fundo de Participação dos Municípios. São fontes cruciais de recursos para os entes federativos. Apenas o FPE transferiu R$ 48 bilhões para os Estados e o Distrito Federal em 2011. Este ano, a previsão é de R$ 53 bilhões, ou 1,2% do Produto Interno Bruto. O modelo atual de partilha só tem eficácia legal até o fim deste mês.
Atualmente, 85% das receitas do Fundo vão para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, enquanto 15% cabem aos estados do Sul e do Sudeste, conforme a população e a renda per capita de cada um. A lei que regulamenta o rateio do FPE foi editada em 1989 e sua vigência, originalmente, expirava em 1992. Nesse período o Congresso deveria ter estabelecido novos parâmetros, com base em questões econômicas e populacionais, mas isso nunca ocorreu. Resultado: o Supremo agiu diante da inércia do Parlamento.
Como até hoje não há convergência sobre o tema, os governadores correm o risco de iniciar 2013 sem um centavo do FPE. Alguns estados podem não ter como pagar sequer suas despesas fixas sem essa verba. Outro debate excluído da ordem do dia foi a redivisão das receitas originadas da arrecadação de ICMS. Por que tanta resistência, se o modelo atual de rateio traz prejuízos evidentes? A quem interessa a falta de consenso?
A guerra fiscal no país já foi declarada há muitos anos, com o uso de artilharia pesada. Em busca de investimentos e competitividade, os entes federativos produzem leis ao arrepio da Constituição, com incentivos fiscais os mais variados – e esdrúxulos. Isenções fiscais e alíquotas reduzidas de impostos são distribuídas ao sabor do freguês. Quem paga a conta, no entanto, é sempre o contribuinte.
O Governo federal também tem boa parcela de responsabilidade neste cenário de desequilíbrio. O pacto federativo não comporta a concentração excessiva de recursos nas mãos da União. O caso dos royalties, por sinal, é emblemático. A fatia que estados produtores e não produtores reivindicam equivale a 15% das compensações totais pela exploração e produção de petróleo. Já a União detém cerca de 50% desse bolo, sem dar margem para qualquer distribuição mais equânime.
Com o impasse provocado pelo novo marco regulatório do petróleo, o Governo tentou costurar um acordo salvador. Em troca do respeito aos contratos em vigor e da aprovação da MP que destina 100% dos royalties futuros para a educação, a área econômica negocia uma trégua entre os estados. O Conselho Nacional de Política Fazendária propõe um pacote que engloba desde a nova divisão do FPE, a redistribuição dos royalties, a revisão das dívidas estaduais e o fim da guerra fiscal.
No caso do Fundo de Participação, seriam mantidas as regras atuais de distribuição, mas com mudanças no rateio para os recursos adicionais que beneficiam os estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Os estados mais pobres também seriam contemplados com outra decisão — o Confaz validaria todos os incentivos fiscais já concedidos. Paralelamente, a alíquota interestadual de ICMS seria unificada em 4% e as dívidas dos estados teriam correção por taxas mais baixas de inflação.
O chamado “Consenso de São Luís” ainda está longe de desarmar os espíritos neste cenário de guerra. Mas é um passo importante rumo ao equilíbrio federativo, expressão que caiu em desuso nos últimos anos. Ele representa a construção de um novo modelo de diálogo, em que o bom senso prevalece sobre a ganância e o desatino. Afinal, a parte mais difícil de um acordo de paz é justamente a percepção dos próprios erros”